Epístola de Tiago - J. N. Darby

Abaixo você tem um estudo precioso escrito por J. N. Darby, tenha uma boa leitura.

 

O fato de que os crentes estivessem ainda em meio de Israel com alguns que se diziam crentes e não eram mais que simples professantes, permite compreender facilmente, por uma parte, por que o apóstolo se dirige à massa do povo como sendo aqueles que pudessem participar dos privilégios acordados a este último —caso que a fé no Messias existisse—; por outra parte, por que se dirige aos cristãos como se tivessem um sítio especial; e finalmente, por que adverte ao mesmo tempo a aqueles que professavam acreditar em Cristo. A aplicação prática da epístola em todos os tempos, e em particular naqueles nos quais um corpo numeroso pretende ter direito hereditário aos privilégios do povo de Deus, é do mais fácil devido a sua perfeita clareza. Pelo resto, a epístola tem uma força muito peculiar para a consciência individual; ela julga a posição, os pensamentos e as intenções do coração.

A epístola começa então com uma exortação a gozar-se nas provas, as que são um meio para produzir a paciência (V. 2-3). No fundo, este tema das provas, e do espírito que convém a quem é exercitados por elas, prossegue até o final do versículo 20 deste primeiro capítulo, no qual o pensamento da passagem se volta para a necessidade de pôr freio a tudo o que se opõe à paciência e para o verdadeiro caráter de alguém que se mantém na presença de Deus. Tal direção, como conjunto, termina ao finalizar o capítulo. O fio do raciocínio do apóstolo não é sempre fácil de reconhecer; a chave do mesmo se acha na condição moral a que ele se refere. Tratarei de fazer que a compreensão dessa chave seja o mais acessível que se possa.
O substancial do tema consiste em que devemos andar ante Deus e mostrar a realidade de nossa profissão, em contraste com a união com o mundo, ou seja, dar prova da religião prática. A paciência, pois, tem que ter sua obra completa (V. 4); assim a vontade é subjugada e submetida, e se aceita toda a vontade de Deus; por conseguinte, nada lhe falta à vida prática da alma. A gente sofre, mas se atém pacientemente ao Senhor. É o que Cristo fez; esta era sua perfeição: aguardava a vontade de Deus e nunca fazia a sua própria; assim a obediência era perfeita mesmo que o homem fora posto a prova. Mas, de fato, freqüentemente carecemos de sabedoria para saber o que deveríamos fazer. Para isso, diz o apóstolo, o recurso é evidente: pedimos a Deus sabedoria e ele dá a cada um liberalmente (V. 5); somente que temos que contar com sua fidelidade e com uma resposta a nossas orações. De outra maneira há dobra de coração; a dependência não está sujeita a Deus; nossos desejos têm outro objeto (V. 6). Se unicamente procuramos o que Deus quer e o que Deus faz, dependemos dele com um coração seguro do cumprimento de Sua vontade. Quanto às circunstâncias deste mundo, as que poderiam fazer acreditar que é inútil depender de Deus, desvanecem-se como a flor do campo. Deveríamos ter consciência de que nosso lugar, segundo Deus, não é o deste mundo. Aquele que é de condição humilde deve regozijar-se de que o cristianismo lhe exalte (V. 9), e o rico, de que lhe humilhe (V. 10). Não devemos nos gozar nas riquezas, pois estas passam (V. 11), a não ser no exercício de coração do que fala o apóstolo, porque depois que tenhamos sido provados gozaremos da coroa de vida (V. 12).

A vida de quem é provado e no qual esta vida se desenvolve com obediência a toda a vontade de Deus, vale mais que a de um homem que se entrega a todos os desejos de seu coração pelo luxo.
Com respeito a estas tentações, às quais alguém se deixa levar pelas cobiças do coração, não se deve dizer que vêm de Deus. O coração do homem é a fonte da cobiça que conduz ao pecado, e por este à morte (V. 13-15). Que ninguém se engane a este respeito! O que no íntimo prova ao coração procede da gente mesmo. Todos os dons bons e perfeitos vêm de Deus, e ele nunca troca, só faz o bom. Por isso nos deu uma nova natureza, fruto de sua própria vontade, a que obra em nós mediante a Palavra de verdade para que sejamos primicias de suas criaturas (V. 16-18). Como é Pai das luzes, o que é trevas não vem dele. Ele nos engendrou pela Palavra da verdade para ser as primeiras e mais excelentes testemunhas deste poder benfeitor que resplandecerá mais tarde na nova criação, da qual somos as primícias. Isto é o oposto ao falso pensamento que quereria fazer de Deus a fonte das cobiças e lhe atribuir as tentações, as que têm sua origem no coração do homem.

A Palavra da verdade é a boa semente da vida; a própria vontade é o berço de nossas cobiças. A energia desta vontade nunca pode produzir os frutos da natureza divina, como tampouco a ira do homem cumpre a justiça de Deus. Por isso somos exortados a ser dóceis, dispostos para ouvir, lentos para falar, lentos para nos irar; exortados a pôr a um lado todas as sujas cobiças da carne, toda energia de iniqüidade, e a receber com mansidão a Palavra (V. 19-20), uma Palavra que, como é de Deus, identifica-se com a nova natureza que está em nós (a Palavra está implantada em nós; V. 21), formando-a e desenvolvendo-a segundo sua própria perfeição, porque inclusive esta nova natureza tem sua origem nela.

Esta Palavra de verdade não é como uma lei que está fora de nós e que, ao opor-se a nossa natureza pecaminosa, condena-nos. Ela salva à alma; é viva e vivificadora; obra vitalmente em uma natureza que é fruto dela, e a que forma e ilumina.

Mas é necessário que a Palavra obre realmente em nós; é preciso que não só sejamos auditores dela, mas que também esta produza frutos práticos que sejam a prova de que obra real e vitalmente no coração (V. 22). De outra maneira, a Palavra é tão somente como um espelho no que possivelmente nos podemos ver por um momento, e logo esquecemos o que vimos (V. 23-24). Aquele que esquadrinha a lei perfeita, que é a da liberdade, e persevera fazendo a obra que ela indica, será bento na atividade real e obediente que se desenvolve nele (V. 25).

Esta lei é perfeita, pois a Palavra de Deus, tudo o que o Espírito de Cristo manifestou, é a expressão da natureza e do caráter de Deus, pelo que ele é e do que ele quer, pois ele quer o que ele é, e isto necessariamente.

Esta lei é a lei da liberdade, porque a mesma Palavra, que revela o que Deus é e o que ele quer, tem-nos feito partícipe, por graça, da natureza divina; de maneira que o fato de não andar segundo essa Palavra seria não andar de conformidade com nossa própria natureza nova. E andar segundo uma regra que expresse os desejos desta nova natureza que é de Deus, e os ditados de sua Palavra, isto é a verdadeira liberdade.

A lei dada no Sinai reprime e condena todos os movimentos do velho homem, e não pode lhe permitir ter uma vontade, pois deve fazer a vontade de Deus. Mas tem outra vontade, de modo que a lei lhe é uma escravidão, uma lei de condenação e de morte. Mas, como Deus nos engendrou por meio da Palavra de verdade, a natureza que temos em virtude de ter nascido assim possui gostos e desejos conforme a essa Palavra: ela é dessa mesma Palavra. A Palavra, mercê a sua própria perfeição, desenvolve esta natureza, a forma, ilumina-a, como o havemos dito; mas a natureza mesma tem sua liberdade no ato de seguir o que esta Palavra expressa. Assim aconteceu com Cristo; se se tivesse podido lhe tirar sua liberdade (o que espiritualmente era impossível), isso teria sido lhe impedindo de fazer a vontade de Deus, seu Pai.

O mesmo ocorre com respeito ao novo homem em nós (que é Cristo, como vida em nós), o qual é criado em nós segundo Deus, revestido de justiça e verdadeira santidade, produzidas em nós pela Palavra, que é a perfeita revelação de Deus, do conjunto da natureza divina no homem, da qual Cristo —a Palavra vivente, a imagem do Deus invisível— foi a manifestação e o modelo. A liberdade do novo homem é a liberdade de fazer a vontade de Deus, de imitar a Deus em seu caráter, como querido filho dele, tal como esse caráter foi manifestado em Cristo. A lei da liberdade é este caráter, tal como é revelado na Palavra, e a nova natureza acha seu gozo e satisfação nesse caráter de Deus revelado em Cristo, assim como ela extrai sua existência da Palavra que Lhe revela e do Deus que nela é revelado.

Tal é “a lei da liberdade” (V. 25), o caráter de Deus mesmo em nós, formado pela operação de uma natureza gerada por meio da Palavra que Revela a ele e que usa como molde esta mesma Palavra.

O primeiro elemento que trai ao homem interior é a língua (V. 26). Um homem que parece estar relacionado com Deus e quer lhe honrar, e que não sabe reprimir sua língua, engana-se a si mesmo, e sua religião é vã.

A religião pura ante Deus, o Pai, é a de cuidar daqueles que, alcançados nas relações mais tenras pelo pagamento do pecado, vêem-se privados de seus sustentos naturais; e de guardar-se sem mancha do mundo (V. 27). Em vez de destacar-se e figurar em um mundo de vaidade, afastado de Deus, alguém deve voltar-se, tal como o faz Deus, para os afligidos, para os que precisam socorro, e guardar-se de um mundo no que tudo polui, no que tudo é contrário à nova natureza que é nossa vida e ao desenvolvimento e manifestação em nós do caráter de Deus, tal como o conhecemos pela Palavra.

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