Água se torna em Vinho!

João 2:1-11

Em uma festa de casamento, em Caná da Galileia, o vinho acabou. Nessa situação precária o

Senhor Jesus realizou o Seu primeiro milagre, transformando água em vinho. Esta cena é uma

sombra do reino milenar, quando o Senhor dará alegria ao Seu povo terreno; nas Escrituras, o

vinho é uma figura do gozo terreno (Jz 9:13; Sl 104:15; Am 9:13-14). O gozo no reino será

grande, após os sofrimentos (Sf 3:14-17). Mas, ainda assim não será perfeito, pois também no

reino haverá pecado e morte. O número 6, que tem um papel nesse milagre (v. 6), alude a isso,

visto que 6 é o número da fraqueza humana. O número 7, ao contrário, é o número da

perfeição, e esta só existirá no estado eterno.

Três dias após o Senhor Jesus ter chegado a Caná, aconteceu a boda. Mas o “terceiro dia” no

versículo 1, tem ainda um significado mais profundo, profético. Visto sob essa perspectiva,

encontramos o “primeiro dia” em João 1:35-42. Ali é apresentada a época cristã, na qual

pessoas seguem ao Cordeiro de Deus e se demoram ali onde Ele está. O “segundo dia” nos é

mostrado em João 1:43-51. Natanael representa o remanescente judeu, que reconhece no

Senhor Jesus o Filho de Deus e o Rei de Israel. O “terceiro dia” completa o quadro, apontando

para a alegria no reino. No final do evangelho de João nos deparamos mais uma vez com essas

três fases da história de salvação divina. Podemos reconhecer a Igreja, nos discípulos, em cujo

meio o Senhor Jesus se apresenta (Jo 20:19-23). Tomé, que se alegra pelo Senhor ressurreto ao

vê-Lo com os sinais das feridas, é uma figura do remanescente judeu (Jo 20:24-29). A pesca

maravilhosa mostra como pessoas das nações serão trazidas para dentro das bênçãos do reino

(Jo 21:1-11). João observa, depois da pesca, que “já era a terceira vez que Jesus se manifestava

aos discípulos” (v. 14). Quão bem isso se encaixa com o terceiro dia de João 2:1!

Mas com isso deixaremos a perspectiva profética para nos voltarmos para as lições práticas.

Para tal, lancemos um olhar sobre as diversas pessoas que tiveram participação neste notável

milagre.

O casal de noivos

Em um casamento o casal de noivos ocupa o lugar central. Mas neste relato somente o noivo é

mencionado, de passagem, apenas uma vez e sem citar seu nome. É evidente que o Espírito

Santo tem interesse em destacar o Filho de Deus e Sua glória.

É um ponto favorável aos noivos que eles desejaram que o Senhor Jesus e Seus discípulos

estivessem nessa grande festa. “E foi também convidado Jesus e os seus discípulos para as

bodas” (v. 2). A palavra “também” mostra que Jesus era mais um dos muitos da lista de

convidados. Talvez os noivos não estivessem realmente cientes da dignidade singular do

Senhor. É bom quando se começa o caminho da vida a dois com o Filho de Deus, mas damos a

Ele realmente o lugar que Lhe compete? Quando não, surgem dificuldades e a alegria se

desvanece. Contudo, conhecemos Àquele que pode nos dar nova felicidade e que quer

reavivar nossa alegria, porém, antes de todas as coisas, sempre temos e podemos usufruir o

gozo nEle (Fp 4:4).

A mãe de Jesus

Da mãe de Jesus não nos é dito que tivesse sido convidada para a festa. Como se fosse natural,

ela estava presente (v. 1). Talvez houvesse vínculos familiares estreitos com os noivos e

respectivamente com os pais destes. Isso poderia explicar o fato de Maria se ocupar com as

questões da festa.

Quando o vinho acabou, Maria tomou conhecimento disso. Os convidados talvez nem

tivessem percebido isso ainda. Que constrangimento seria se isso se tornasse público! Algo

que ficaria gravado na memória de todos! E isso Maria não queria, e ela sabia a quem podia

dirigir-se. Não ao mestre-sala, mas ao grande Mestre. Ela Lhe apresenta o problema, de

maneira simples e cheia de confiança: “não tem vinho” (v. 3).

O Senhor rejeita a Maria (v. 4) [1]. Com isso Ele deixou claro que a razão para agir não seria o

desejo de Sua mãe. Aqui, e também em nenhum outro lugar é relatado que Ele se dirige a ela

como mãe. Quando Ele tinha doze anos já havia deixado claro que Lhe convinha tratar dos

negócios de Seu Pai, embora estivesse sujeito aos Seus pais terrenos (Lc 2:49-51). Agora, ao

iniciar Seu ministério público, os relacionamentos naturais deviam ser postos totalmente de

lado. Fica evidente: Jesus é o Filho de Deus que sabe tudo, e que não gostaria de ser conduzido

a agir pela Sua mãe.

E Maria? Ela aceita essa rejeição de forma mansa, e diz aos serventes: “Fazei tudo quanto ele

vos disser” (v. 5) [2]. Ela não sabia quando seria a hora do Senhor agir, mas confiava que Ele

interviria no momento certo. Embora ela ainda não tivesse vivenciado nenhum milagre público

de seu Filho, estava convencida que Ele podia ajudar.

E nós, enxergamos quando os outros têm problemas? Percebemos quando, por exemplo,

surge alguma crise no matrimônio de irmãos na fé? E como reagimos, assim que sabemos de

algo? Vamos primeiro ao Filho de Deus e com confiança colocamos tudo diante dEle em

oração? E ao orarmos, estamos cientes que não podemos exigir nada?

Deus jamais está obrigado a nos responder, nem ainda que gritemos a Ele (comp. com Jó 36:19

RA), ou que demos ênfase de alguma outra maneira às nossas petições. Deveríamos estar

cientes que cada resposta às nossas orações é pura graça! Também devemos aprender a

esperar até que Deus aceite as nossas petições.

Os serventes

Havia ali seis talhas de pedra (v. 6). Em cada talha cabiam dois ou três almudes (ou metretas

RA). O almude (ou metreta) corresponde ao bato judeu; são pouco menos do que 40 litros. Se

calcularmos apenas dois e meio almudes por talha (100 litros), então são ao todo 600 litros de

água que o Senhor Jesus transformou. O Senhor dá benção em abundância!

As talhas estavam postas ali para que os ritos de purificação dos judeus, como o lavar das

mãos antes de comer, pudessem ser realizados. Mas elas estavam vazias e não serviam para

sua função. O Senhor ordenou que as talhas fossem enchidas com água, sem comunicar Sua

intenção especial (v. 7). Visto que a festa estava acontecendo já há um bom tempo, os

serventes poderiam se perguntar para que Ele iria usar toda essa água. Mas eles haviam sido

sensibilizados por Maria à obediência e executaram imediatamente a cansativa tarefa. Fizeram

um trabalho completo, enchendo as talhas até em cima. Agora também não poderia ser

derramado nenhum outro líquido dentro das talhas. Era 100% água, e deveria permanecer

assim.

A seguir, o Senhor ordenou que tirassem um pouco de água com um recipiente menor e

levassem ao mestre-sala (v. 8). Novamente os serventes reagiram rapidamente sem se

torturarem com a pergunta: “O que o mestre-sala faria com água?” (veja v. 9). Enquanto se

dirigiam ao mestre-sala, aquela água que tinham tirado se transformou em vinho, sem que

tenha sido dito uma palavra sequer, pelo poder do Filho de Deus. Semelhantemente, o milagre

da cura dos leprosos também ocorreu quando os enfermos, obedecendo à palavra do Senhor,

iam pelo caminho (comp. com Lc 17:14).

Como servos do Senhor, podemos aprender disto, várias coisas. 1) Aguardamos a ordem do

Senhor antes de agir. 2) Então, em obediência, fazemos tudo o que Ele nos manda.

Se fizermos somente aquilo que podemos entender e o que nos agrada, simplesmente somos

desobedientes. Saul não executou completamente a batalha contra os amalequitas e teve de

ouvir a censura de ter sido desobediente (1 Sm 15:19).

Os serventes encheram as talhas, que na verdade estavam no lugar certo, mas não cumpriam

com o seu propósito, pois faltava a água. Exteriormente, pessoas podem estar no lugar certo,

por exemplo, nas reuniões de crentes, porém eles somente serão abençoados quando suas

almas são enchidas com a água da Palavra de Deus (comp. com Ef 5:26). Para poder executar

efetivamente a tarefa, como servos, a Palavra deve “habitar em vós abundantemente” (Cl

3:16).

O mestre-sala

A situação ficou embaraçosa para o mestre-sala quando o vinho acabou, pois ele era o

responsável por servir os convidados. Ele não podia explicar de onde os serventes tiraram o

vinho (que tinha poucos minutos, e ainda assim era bom). Em vez de perguntar para os

serventes, que sabiam, ele se dirigiu ao noivo, que provavelmente nem tinha tomado

conhecimento de toda essa situação. O mestre-sala censurou o noivo por não ter permitido o

acesso a esse excelente vinho no começo da festa, como era costume [3]. Ali, onde outros

estavam admirados e se alegravam, o mestre-sala murmurava! Ele falou daquilo que “todo

homem” faz, porém não contava com o Filho de Deus.

Tais “mestres-salas” também existem hoje. Eles são responsáveis pelo refrigério e alimento

espiritual, porém conhecem somente costumes antigos, rituais e outros pensamentos

humanos. O gozo profundo, que somente a Palavra de Deus pode trazer às vidas, é

desconhecida para eles. Quão mesquinho e lamentável é isso!

Os discípulos

Não somente o Senhor fora convidado para a boda, mas também Seus discípulos. Nessa

ocasião, provavelmente eram seis: André, João, Tiago, Pedro, Filipe e Natanael.

Não sabemos se eles tomaram conhecimento de que o vinho havia acabado. Em todo o caso,

eles experimentaram conscientemente como o Senhor manifestou Sua glória ao transformar,

em Seu poder criador, a água em vinho (v. 11). Os discípulos não estavam convencidos do Seu

poder apenas intelectualmente (comp. com vv. 23-25), mas eles compreenderam realmente

algo da glória do Senhor (Jo 1:14). Também a nossa fé é fortalecida quando nos ocupamos com

os milagres do Senhor Jesus e meditamos neles em oração.

O Senhor Jesus

Imediatamente após a criação do homem é falado da união matrimonial entre homem e

mulher (Gn 2:24). E aqui, no início do Seu ministério público, por meio da Sua presença em

uma boda, o Senhor confirma e promove o matrimônio, que Ele mesmo havia instituído. O

Senhor Jesus alegrou-Se com os que se alegravam.

Em Caná o Senhor realizou Seu primeiro milagre, ao transformar a água em vinho. O primeiro

milagre que Moisés, o legislador, executou para o juízo do Egito, era a transformação da água

em sangue (Êx 7:15-25). Quão significativa é essa diferença! João escreve: “Porque a lei foi

dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1:17). Podemos dizer que: a

lei traz juízo (sangue) e a graça traz alegria (vinho).

A comparação com o ministério de João o batista, também é esclarecedora: João, que pregava

o arrependimento, permanecia no deserto e alimentava-se de forma espartana; o Senhor

Jesus, porém, foi a uma boda e fez muito vinho. O ministério de Jesus Cristo estava

caracterizado pela bondade que dava e que trazia alegria (comp com Mt 11:16-19).

Além disso, vemos aqui como o Filho de Deus, que dispõe de todo o poder, se conduz como

um homem dependente e espera pela Sua “hora”.

Isso Maria tinha que aprender, e isso também Seus irmãos precisavam compreender (Jo 7:3-9).

O Senhor Jesus havia sido rejeitado e por isso o tempo para distribuir bênçãos livremente,

ainda não havia chegado. A obra na cruz, como base das bênçãos, ainda não havia sido

realizada. Ele ainda não estava assentado no trono como administrador das bênçãos, mas agia

como Servo dependente, que em cada obra miraculosa Se deixava conduzir pelo Pai.

Quando chegou o momento de trazer benção à Caná, Ele indicou o trabalho aos servos. Aquilo

que eles não podiam fazer, a saber, transformar água em vinho, isso o Senhor Jesus mesmo

fez. Ele, que não tinha feito pão das pedras, e cuja sede mais tarde foi saciada com vinagre,

utilizou Seu poder divino para alegrar outros com vinho! Assim, Aquele que era o convidado,

se transformou em anfitrião (comp. com Lc 24:28-30).

O milagre da transformação era um sinal (v. 11). Esse sinal aponta para a glória do Senhor. Ela

sempre esteve presente, porém por esse milagre se tornou visível. É digno de nota de que o

Espírito Santo nem descreve como se alegraram pelo vinho e como a festa continuou

alegremente. Não. O relato bíblico termina com uma indicação à glória do Senhor que

sobrepassa tudo e cujo brilho é superior. Permitamos ser impressionados, sempre de novo,

com essa glória!

Resumo

Em Caná o Senhor Jesus realizou Seu primeiro milagre: Ele fez de água um bom vinho. É

necessário de que permitamos que a Palavra de Deus, da qual a água é uma figura, habite

abundantemente em nós. Então também nosso gozo, do qual o vinho é uma figura, será

transbordante. Quando o Senhor nos abençoa e nos dá alegria, então isso engrandece Sua

glória.

[1] As palavras do Senhor: “Que tenho eu contigo?” é uma locução hebraico-aramaica e trata-

se de uma pergunta retórica. A resposta a essa pergunta é: nada. O que se expressa com isso

é: “nesse assunto não falamos de igual para igual, esse é um assunto meu e você não precisa

se intrometer”.

[2] Em João 2 encontramos as últimas palavras que nos são transmitidas da mãe de Jesus.

Aprendemos duas lições importantes: primeiro, o pedido de Maria é rejeitado pelo Senhor

Jesus; e segundo, ela deseja que se faça tudo o que Ele ordenar. Em Atos 1:14 nos é relatado,

por última vez, algo de Maria: ela ora junto com outros, à Deus. Nenhum sinal de uma posição

privilegiada. Quão importantes são essas lições para aqueles que querem ver em Maria uma

intercessora celestial a favor dos crentes!

[3] O mestre-sala falava de servir aos convidados o vinho inferior somente quando estes

estivessem embriagados (v. 10). A partir disso, não podemos tirar a conclusão de que os

convidados dessa boda estivessem embriagados, mas esse homem falava daquilo que era

costumeiro nas festas de casamento que frequentemente duravam vários dias (comp. com Gn

29-27). Para nossas festas de casamento valem ainda hoje as palavras: “Não vos embriagueis

com vinho, em que há contenda” (Ef 5-18). Nossos corações devem estar cheios de gozo e não

serem carregados pela embriaguez e pelas bebedices (Lc 21:34).

 

Gerrid Setzer